As transferências de futebol são como casamentos (2ª parte)

As semelhanças entre amor e futebol vão muito para além das palmadinhas no rabo. 

Tanto no amor e como na bola usam-se muitas alcunhas. Ter uma alcunha é essencial para um futebolista, muito mais que uma técnica apurada ou um penteado digno do Prémio Pritzker. Uma alcunha indica-nos o que podemos esperar do jogador. Se for "El Toro", estaremos perante um poço de força. "El Puma" provavelmente será um avançado rápido e oportunista. Já se for "El Abutre" além de oportunista, também é careca. Mas se o suposto é que as alcunhas dos futebolistas sejam ameaçadoras, mais valia que escolhessem coisas que podem realmente matar. Um jogador com a alcunha "El negligência médica" seria bem mais temível que um "El Crocodilo" (à excepção feita, talvez, a uma equipa mista de zebras e gnus). Os futebolistas têm à sua disposição um manancial inexplorado de alcunhas entre as fatalidades mais populares. Desde "El tabaco" e "El diabetes", passando por "El praia não vigiada" (especialmente temível na pré-época de verão), a "El "doença prolongada", ou "El sinistralidade rodoviária". Existe ainda "El trombose", quando se trata de um jogador que paralisa metade dos adversários, ou ainda "El violência policial", especialmente eficaz contra uma equipa maioritariamente negra. 

 Já as alcunhas amorosas estão muito ligadas à comida, sobretudo doces e bolos. Essencialmente alimentos tão calóricos que deixariam uma anorética à beira de um ataque de vómitos. No entanto, tratar o conjuge por "meu docinho" não reflecte a natureza real de uma relação amorosa. Seria bem mais honesto escolher para alcunha comidas que reflectissem o estado da relação: "minha roupa velha", para engates arranjados logo a seguir ao Natal, "minha fast food", para a fraqueza em noites de bebedeira, em que precisamos comer algo rapidamente, mesmo que seja carne de má qualidade; "mina latinha de  atum", quando estamos com alguém simplesmente porque não há mais nada que se coma, ou finalmente "meu arrozinho de cabidela", para quando a namorada está com o período. 

Um clube de futebol que vai ao mercado à procura de reforços é exactamente como alguém que sai para o engate. Imagine-se um clube que anda à procura de um lateral-esquerdo, jovem, simpático, que seja um misto de atributos físicos e técnicos. Enfim, alguém com tudo no sítio. Na abordagem ao mercado convém alguma dose de realismo na visão de nós próprios. Não é bom acharmos logo que somos o Real Madrid, quando na verdade não passamos de um Real Massamá. A bebida é um factor que turva a visão que temos de nós próprios. Normalmente vamos subindo de escalão à medida que bebemos. Podemos começar a noite a sentir que somos o Paços de Ferreira, isto é, com um nível bastante aceitável, e acabar a pensar que somos a selecção brasileira do Mundial de 82. Também há o inverso, quando a bebida dá para a depressão. Aí vamos descendo sucessivamente de divisão até acabarmos a noite nas Distritais. No engate, podemos ser o Sporting, e apostar sobretudo nas camadas mais jovens, ou ser como uma equipa da MLS, e preferir a veterania. Finalmente, não convém ser um Shangai Shenhua, que ataca tudo o que mexe e acaba por gastar mais do que deve.

Tanto no futebol como no engate há diferentes tipos de alvos:
  1. Os que estão ao nosso alcance, que podem vir com um ou outro pequeno defeito, mas bastante aceitáveis no cômputo geral; 
  2. Namoros antigos, que se encontram regularmente a cada saída, com quem há troca de olhares, mas cuja abordagem vai sendo sucessivamente adiada (é melhor deixar que a paixão permaneça platónica, pois trata-se daqueles casos de jogadores que jogam muito bem contra a nossa equipa, mas que deixam de prestar assim que passam para o nosso lado); 
  3. Aqueles que são completamente de evitar. Há que ter padrões. Quem se mostra muito disponível provavelmente já foi mais manuseado que o último pão de forma da prateleira do supermercado, já não está lá muito fresco e tem manchas esquisitas. 
  4. Alvos irrealistas, que a única maneira de ir lá farejar é pelo Instagram.

Em todo o caso, é preciso estar preparado para a rejeição. "Há mais laterais-esquerdos na terra" é a atitude correcta, mesmo que aquele flanco esquerdo corra o risco de acumular mais pó que as narinas do Maradona.


(continua)
(parte I)

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