Descobrimentos: quem foram e como viviam

   Os Descobrimentos foram de um período histórico dominado pelo medo e pela ignorância, em que se acreditava que a terra era plana e as tábuas de passar a ferro eram redondas.

   Na verdade, “Descobrimentos” é um termo bastante infantil, uma vez que subentende que uma parte do mundo se estava a esconder deliberadamente de outra. É como se tudo não passasse de um enorme jogo de escondidas, quando na verdade, a parte do mundo que foi “descoberta” não sabia sequer que estava a jogar.[1]  Imagine-se pois, que os portugueses não têm “descoberto” nada; este período chamar-se-ia apenas os “Aborrecimentos”, e a grande proeza lembrada seria aquela vez em que o Bartolomeu Dias não enjoou no barco.

   Pelos territórios descobertos, os Portugueses deixavam marcos, sinalizando a sua presença nos novos territórios; assim como fortificações e porteiras, que os guardavam e impediam a passagem de frotas inimigas, especialmente depois de o chão ter sido lavado.

   Além de terem “descoberto” novos mundos, os Portugueses gabam-se ainda de terem inventado o mulato. A invenção do mulato foi uma experiência científica que resultou da rigorosa e a meticulosa violação em massa de todas as mulheres que conseguiam apanhar.[2]  A violação era aliás dos passatempos preferidos das famílias portuguesas, juntamente os autos de fé e a petanca. Outras tentativas de cruzamento selectivo foram igualmente tentadas, com a violação metódica de jaguares, capivaras, ananases e tatus, e em várias posições sexuais. Ainda que a capivara reunisse a preferência dos marujos, e os ananases gostassem que lhes chamassem nomes na cama, nenhuma das experiências teve o sucesso observado com as nativas. Por via das dúvidas, a experiência foi meticulosamente repetida ao longo dos quinhentos anos subsequentes, e os resultados observados, analisados, e de seguida também eles violados, reforçando as conclusões iniciais. 

   Entre outros contributos das Descobertas Portuguesas, registe-se ainda a transmissão do escorbuto ao elefante indiano, após uma sessão de jogar ao quarto escuro em Calecute, e de uma nova espécie de piolho com tendência para o fatalismo.


[1] Neste sentido, imagine-se a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil e o contacto com o primeiro indígena. Pedro Álvares Cabral aproxima-se, cauteloso, do índio, toca-lhe no braço e diz “agora, estás tu!”, correndo para o barco e fugindo volta a Lisboa a cantar “não me apanhas, não me apanhas”.
[2] Na altura não violar uma mulher era considerado uma grande heresia.

Tudo o que alguma vez quis saber sobre calçadeiras e teve vergonha de perguntar

   Ao contrário do que é crença comum, a calçadeira é muito anterior ao sapato. A calçadeira é tão antiga quanto a obsessão do ser humano de tentar enfiar coisas onde estas não cabem [1]. A calçadeira é um instrumento cujo único propósito é forçar a incorrecta utilização de outra coisa qualquer, como fazer caber um grande felino no microondas. Nos anos 1950 houve até notícia da invenção uma calçadeira para ajudar a enfiar um par de sapatos numa caixa demasiado pequena.

   À semelhança de uma religião, utilização de uma calçadeira encerra um verdadeiro acto de fé, pois trata-se da capacidade de negação do facto empírico para se entrar na esfera da pura crença irracional [2]. Na verdade, qualquer facto observável pode ser desmentido com uma calçadeira.

   A relação da calçadeira com o sapato é tardia. Os primeiros avanços significativos desta simbiose deram-se quando o homem primitivo olhou para o auroque e decidiu que o devia calçar. Antes disso, o homem havia tentado calçar o fogo, a roda e o tigre de dentes de sabre. A maioria destes casos acabava com a subtracção do pé, ou na sua variante cómica, quando o pé era precisamente a única coisa que sobrava. Nestes casos, voltava-se a tentar enfiar o pé decepado onde este claramente não cabia.

   O aperfeiçoamento da espécie bovina durante gerações resultou no sapato moderno, incluindo o apuramento acerca do auroque que devia ir para o pé esquerdo e o auroque que devia ir para o pé direito. (O uso dos produtos lácteos é posterior, datando de quando o homem primitivo avistou bezerros a fazerem queijo).Desde então a calçadeira tem acompanhado o sapato, ainda que tenha conhecido um breve quebra com o surgimento dos cremes gordos.




[1] Uma variante moderna deste fenómeno pode ser verificada na tentativa de cruzamento de diferentes jogos de tampas com fundos de tupperwares. Conta-se ainda que um inventor de Leipzig dedicou a sua vida a tentar cruzar um elefante com uma formiga. Infelizmente a experiência nunca ficou concluída, uma vez que se lhe acabaram os elefantes.
[2] Frequentemente esta crença cega e inabalável adquire a designação “com jeitinho”.

Subsídio para a leitura de um pato

   Um pato é um animal que não serve para grande coisa, senão para arroz de pato. 

   É daqueles animais que parecem engraçados mas afinal não o são. Em termos técnicos, um pato é uma coisa que fica a flutuar em água. O que, se formos rigorosos, não difere muito de um nenúfar, de um derrame de crude, ou de um morto por afogamento. É o bicho menos impressionante da natureza, um bocadinho à frente do tapir e da lesma, sendo o pato, de todos, o único animal cujo predador natural é a estupidez. O pato é ainda único animal em que Zeus se recusou a transformar. Zeus era capaz de se tornar em qualquer coisa para uma boa aventura amorosa, desde cisne, a um boi, e uma vez até mesmo uma calçadeira, mas estabeleceu o seu limite no pato.

   O habitat natural do pato é o lago, o charco ou a poça. Uma vez que não têm grandes padrões, se os deixarem ficam a boiar até num alguidar. Conta-se mesmo que uma vez um pato foi avistado a boiar numa bola de cuspo seco. Os patos são aves migratórias, voando milhares de km a cada ano. E para quê? Para ficarem a boiar em lagos. Os patos são os guardadores de lagos por excelência, não se sabendo de quê ou de quem os lagos precisam de ser guardados. Será eventualmente para o dia em que planeta Terra for invadido por uma raça de alienígenas à base de crostas de pão.

   Apesar de o pato ser um animal voador, passa a maior parte do tempo em terra, mas a boiar em água[1]. Uma vez que consegue atingir a mestria de ser inapto em todos os meios, o pato é a ponta solta de qualquer defensor pelos direitos dos animais. Se acaso se fizessem touradas com patos, ninguém se oporia. É uma espécie animal tão inútil ao ecossistema que poderia ser completamente substituída por rolhas e ninguém daria pela falta deles. “Sinto tanto a falta de um pato” é a frase que nunca ninguém disse na história da Humanidade. O pato consegue ser mais inútil para o plâncton, que é uma espécie cotão do oceano. Na auto-estrada da evolução, o pato estará sempre a circular na faixa do meio a 30 km/h, sem nunca sair de terceira, e com o pisca sempre ligado.

   O pato é a prova mais evidente da não existência de Deus, pois nenhuma forma de inteligência superior poderia conceber um animal como o pato. Nesse sentido, um pato contribuiu mais para a morte de Deus do que qualquer filósofo existencialista. E se Deus existisse, com certeza que teria feito o pato com as sobras da Criação. 



 [1] O facto de não ter ainda havido notícias de patos no espaço dever-se-á à ausência de lagos no espaço. No momento em que se encontrar água em Marte, o mais certo é encontrar-se também um pato, a boiar.