A diferença entre caroços, pevides e grainhas


Partilhar casa com outras pessoas pode ser difícil. Mas às vezes tem-se sorte. Tive, em tempos, o privilégio de ter um colega de casa particularmente iluminado. Para proteger a sua identidade, chamemos-lhe apenas Sr. Grainha. Uma vez, enquanto partilhava casa com este misterioso personagem, encontrei caroços de laranja no lavatório da casa de banho. Falei com o senhor, que prontamente me corrigiu, explicando que não eram caroços mas sim grainhas (daí o epíteto), uma vez que provinham de umas laranjas pequeninas.

Como é óbvio, fiquei muito mais descansado. Por momentos acreditei que tinha encontrado caroços no lavatório, o que seria manifestamente bizarro. Felizmente eram apenas grainhas, que aqui não somos bárbaros. Trata-se de uma situação perfeitamente normal, algo que se devia se ver mais nos lares portugueses e não apenas em instituições psiquiátricas. Só de pensar que gastei mais trinta anos da minha vida a acreditar que as grainhas e caroços devem parar o caixote do lixo, dá-me até vontade de pegar numa courgette e serrar os pulsos. Que privilégio ter alguém capaz não só de me apontar as fascinantes diferenças entre o caroço, a pevide e a grainha, E de me dizer quais os tipos de fruta mais indicados para as diferentes zonas do W.C.

Infelizmente este inquilino anónimo (se estão para aí a achar que o nome dele é Fernando, podem tirar o cavalinho da chuva, que ele não se chama Fernando e o cavalinho ainda se constipa) saiu de casa antes de me poder iluminar para outras questões essenciais. Fiquei, por exemplo, sem saber se os caroços de pêssego se devem atirar para a banheira ou para o bidé, se cascas de melancia podem ir à máquina, se as alfaces se lavam juntamente com a roupa branca ou a roupa de cor, ou se para mexer a sopa é melhor usar a cabeça do chuveiro ou o piaçaba.

Se os filtros do Instagram tivessem nomes de localidades portuguesas

O Instagram dá-nos a possibilidade de escolher entre vários filtros: Rio de Janeiro, Tóquio, Cairo, Jaipur, New York, Buenos Aires, Abu Dhabi, Jakarta, Melbourne, Lagos, Paris, Oslo. Tudo nomes de cidades glamorosas e bares do Cais do Sodré. Só ainda não existem filtros com nomes de localidades portuguesas.

Espero poder ajudar. 
Sugiro, por exemplo, um filtro Lisboa, que converte todas as nossas fotografias num alojamento local. Ou então um filtro Chelas, que é parecido ao de Lisboa, mas com prédios de habitação social. O filtro Cova da Moura, o único com buracos de bala, o filtro Meia-Laranja, que é em degradé de xamon para cavalo. Um filtro Musgueira, que só funciona com telemóveis roubados; um filtro Albufeira, que não funciona em português e, finalmente, um filtro Camarate, que não funciona em modo avião.

Carolina Deslandes

Ideia para anúncio de banco para crédito à habitação: A Carolina Deslandes envelhecida através de maquilhagem e com uma viola. "Aí, eu vi que era um empréstimo para a vida tooooda"

"Uma Aventura" na idade adulta (ou como destruí preciosas memórias de infância)

Quando era mais novo lia muitos livros de Uma Aventura. As histórias de Chico, Pedro, João, as gémeas Teresa e Luísa, mais os cães Caracol e Faial. O único problema com os livros de Uma Aventura é que nós, os leitores, crescemos, mas os miúdos ficam sempre da mesma idade. Nunca chegamos a acompanhar o crescimento dos personagens.

Acho que seria interessante saber o que lhes aconteceu depois. Por exemplo, Uma Aventura pela Europa, um livro de Uma Aventura em que fazem um Interrail todos juntos. Também se poderia acompanhar a sua entrada na idade adulta e a forma como os cinco amigos vão tendo cada vez menos tempo uns para outros à medida que vão ficando mais velhos. Como passam a ver-se apenas uma vez por ano em jantares de grupo, ou no casamento da Teresa (que entretanto já se divorciou). Isto claro, até ao momento inevitável em que se tornam perfeitos estranhos, e fingem que não se conhecem quando se cruzam na rua. Deixo aqui algumas ideias para títulos desta nova colecção de Uma Aventura:

- Uma Aventura no Atelier de Arquitectura, que conta daquela vez em que o João faz um estágio não remunerado;

- Uma aventura no Registo Civil que conta como o Pedro passou a ser a Bianca;

- Uma Aventura no Linhó, de quando o Xico esteve preso por tráfico de droga;

- Uma Aventura na Clínica, sobre aquela vez em que a Teresa deixou de estar grávida;

- ou Uma Aventura na Morgue, acerca de como a Luísa passou a ser filha única. (Eu sei que parece mau, mas elas também já não se falavam há anos.)

Os cinco amigos eram acompanhados por dois cães, o Caracol e o Faial. Os livros de Uma Aventura já existem desde 1982. São 38 anos. Por esta altura, penso que é evidente que os cães já morreram. Lamento dizer-vos que não foi de morte natural: o Caracol morreu atropelado; já o Faial teve de ser abatido porque mordeu uma criança. Eventualmente, eles ainda arranjaram um outro cão, o Piruças, mas este não tinha tanta graça. Isso deu origem a outro livro: Uma Aventura na beira da estrada… que foi onde abandonámos o Piruças.