Deficiências da fala

É trágico verificar que pessoas com problemas de dicção frequentemente recebam nomes que eles próprios não conseguem dizer. Por exemplo, é bem possível que o Slavoj Zizek nunca venha a pronunciar o seu próprio nome correctamente. 

Apologia do fumador, por um não fumador - Parte 1

Eu não fumo, mas sempre que posso tenho um cigarro na mão. Um cigarro faz-nos parecer mais assertivos e coloca maior intensidade naquilo que estamos a dizer, independentemente do que seja. Já o mesmo não se pode dizer de um folhado de salsicha. Com um cigarro qualquer um tem a altivez de um escolástico, a gravidade de um intelectual e a autoridade de um evangelho. Ter um folhado na mão é basicamente ter o carisma de uma poça. 

Imagine-se as seguintes situações: 1) Na sala de espera da maternidade, um homem aguarda o nascimento do primeiro filho. Nervosamente, vai fumando cigarro atrás de cigarro; 2) Dois cowboys em duelo ao pôr-do-sol no velho Oeste. Ouve-se um disparo e um deles cai. O vencedor aproxima-se do cowboy caído e oferece-lhe o seu cigarro. O moribundo inclina a cabeça, e a custo dá um bafo no cigarro, no mesmo instante em que fecha os olhos e morre. 3) Um prisioneiro de guerra escava a sua própria sepultura. Sabe que vai morrer. Prestes a ser fuzilado, pede ao seu cárcere um cigarro, o último que irá fumar. Agora imagine-se exactamente as mesmas cenas mas com folhados de salsicha. Não têm o mesmo impacto. 

Os meus pais fumaram, tive namoradas fumadoras, e quase todos os meus amigos fumam, mas eu não fumo. Alguns não fumadores desenvolvem uma espécie de superioridade moral relativamente aos fumadores. Porque não fumam acham-se exemplos de virtude. Eu não. Por várias vezes tentei mas nunca consegui ser fumador. Simplesmente não tive a força de vontade necessária e acabei por desistir. É por isso que não me acho melhor que os fumadores, apenas porque não fumo. Antes pelo contrário. Qual dos dois vai dar um melhor exemplo para as gerações vindouras, um fumador, ou um não fumador como eu, que é basicamente um desistente? 

Eu admiro os fumadores, que, ao contrário de mim, não desistem mas resistem e persistem, apesar de todas as restrições e inibições a que são sujeitos. Por exemplo, existe uma discriminação evidente na forma como os fumadores são tratados em comparação com outros consumidores. A função de todo produto de consumo é manter um estado de permanente flirt com o consumidor, insinuando-se-lhe como uma ninfomaníaca insaciável que dispensa preliminares, mesmo que no final se trate apenas de caldos de galinha em cubos. Já o tabaco comporta-se como um passivo-agressivo com baixa auto-estima, que não só não suporta olhar-se ao espelho como só está bem a magoar aqueles que mais gostam dele. 

O tabaco é o único produto que faz juízos sobre as pessoas que o compram. O aviso nos maços “Fumar prejudica gravemente a sua saúde e a dos que o rodeiam” é apenas uma forma mal reprimida de “QUE TIPO DE MONSTRO SÁDICO ÉS TU?”. Eu não gostaria de ser julgado pelas coisas que compro. Isto é mesmo que ter as embalagens de papel higiénico a dizer “Só fazes merda” ou uma embalagem de 1 lt. de gelado dizer “um dia vais encontrar alguém”. 

Comparemos com outras adições, como o açúcar e o vinho. Apesar do número crescente de diabéticos, e de as pessoas estarem cada vez mais obesas, os pacotinhos de açúcar não trazem avisos, mas receitas. Isto é, em vez de nos alertarem para os perigos do açúcar, até nos dão dicas sobre diferentes formas de formas de enfiarmos ainda mais açúcar no nosso corpo. 

Já o “Beba com moderação” do álcool é uma sugestão que fica no ar, feita com a complacência de um velho amigo (tipo, “whatever, man, é contigo”). O dedo apontado ao fumador, presumível culpado sem lugar a prova em contrário, acusando-o da desgraça própria e alheia, torna-se a palmadinha cúmplice nas costas do consumidor de álcool, enquanto a outra mão vai enchendo o copo. No final, “Beba com moderação” pode até ser contraproducente: um tipo que leve o aviso à letra, e fique a noite inteira à espera que uma tal de moderação apareça para beber com ele, vai acabar por se enfrascar e beber a garrafa inteira. 

Desde há uns anos que os fumadores se tornaram o bode expiatório da nossa sociedade. Estes proscritos são constantemente perseguidos, acusados de todos os crimes e vêem as suas liberdades e direitos cada vez mais reduzidos. No fundo, os fumadores são como o povo Judeu do nosso tempo: a sua presença é expressamente indesejada na maioria dos espaços públicos, sendo escorraçados para guetos sobrelotados e sem condições. E tal como os judeus durante o Holocausto, os fumadores não só são obrigados a assistir a atrocidades como aquelas imagens que vêm nos maços, como estão também em contacto diário com grandes quantidades de cinza. 

Mas ao contrário de uma religião, os fumadores não procuram converter ninguém. Até dizem: “nunca fumes, não experimentes sequer”, “faz como eu digo, não faças como eu faço”. Isto é o mesmo que uma testemunha de Jeová ir bater-vos à porta e vos pedir para que não se juntem a eles.

(continua...)



Jovem feiticeiro

Vou escrever uma série de livros sobre um jovem feiticeiro que trabalha numa gráfica. Vai chamar-se "Harry Plotter".