O ar é de todos

Há países cujo nome parece ser de outra coisa qualquer que não um país. Se Arménia é claramente nome de mulher, já Mauritânia parece nome de uma cantora transexual. Trinidade & Tobago soa a empresa de advogados (provavelmente com licença para exercer em Trinidade e Tobago), e os Camarões fazem-nos procurar no mapa por um país chamado Delícias do Mar. Finalmente, se há um país chamado Butão, nada impede que também exista um país chamado Braguilha. Mas adiante.

Nos últimos tempos tem-se registado vários casos de drones que voam muito próximo de aviões. Em 2017 já houve mais de dez incidentes do género, sete dos quais durante o mês de Junho. Em resumo, neste ano já estiveram mais drones à volta de aviões que funcionários da Groundforce. Ainda esta semana houve registo de um incidente entre um drone e um avião da low-cost Ryanair. Este encontro imediato chocou os passageiros, sobretudo quando perceberam que o drone tinha muito melhores condições que a companhia em que viajavam. 

Um drone é uma espécie de helicóptero em versão piny-pon, e cujo nome vem do latim e quer dizer "o ar é de todos". Por lei, estão proibidos de voar perto de zonas de aeroportos. O que é manifestamente insuficiente. Além da proibição de sobrevoar aeroportos, os drones deviam também ser impedidos de sobrevoar azinheiras. Nunca se sabe quando se podem cruzar com Nossa Senhora.

Ainda em matéria religiosa, são cada vez mais as pessoas que não querem que os seus entes queridos vão para o céu, com medo que choquem com drones. O drone ameaça ainda intrometer-se no imaginário musical. Se a Amália estivesse viva certamente cantaria "Se um drone viesse, trazer-me o céu de Lisboa...". Entretanto, Miguel Araújo dos Azeitonas já confirmou que vai refazer a letra da música "Anda comigo ver os aviões" para incluir um verso com drones. Ficam algumas sugestões de coisas que rimam com drone: trombone, mirone, Ivone, e Paula Bobone.

A acrescentar aos sucessivos incidentes com drones, regista-se ainda a falta de entendimento das organizações envolvidas, como a NAV (Navegação Aérea de Portugal), a ANAC (Autoridade Nacional de Aviação Civil), a GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários), a APPLA (Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea), a SINCTA (Sindicato dos Controladores o Tráfego Aéreo) e APANT (Associação Portuguesa de Aeronaves não Tripuladas). O Governo já prometeu tomar medidas concretas, nomeadamente a criação de comissão especializada em sopas de letras. Outra medida falada passa pelo abate de drones. O que pode ajudar a dissuadir potenciais infractores, pois um drone ainda é caro, e ao contrário de um avião, o dinheiro não cai do céu.

Em 2014 foi gravado nos EUA o primeiro filme pornográfico filmado a partir de um drone. Trata-se da maior inovação na História da masturbação desde que deixou de fazer crescer pelos nas mãos. Basicamente, um porno filmado através de drone mistura pornografia com o ponto de vista da informação do estado do trânsito. Além de erótico é informativo: podemos assistir a uma escaldante cena sado-maso lésbica, ao mesmo tempo que sabemos como está a circulação na VCI junto ao nó de Francos. Se isto não é um passo à frente para a Humanidade, então sinceramente não sei o que o será.

A questão é que os drones ainda são uma novidade. Há-de chegar o dia em que um encontro com drone vai ser um acontecimento tão banal e quotidiano como uma greve da TAP. Agora, se em vez de um drone, fosse um anão a obrigar um avião a uma manobra perigosa, aí sim, era uma coisa que não se vê todos os dias.


Armanhando

Armando Nhaga: ganhou tudo o que havia para ganhar pelo Benfica e revela dificuldades em expressar-se na língua portuguesa. Jorge Jesus põe-te a pau, que este gajo faz mesmo o tipo do Sporting

As transferências de futebol são como casamentos (1ª parte)

Dois historiadores de arte contemplam um quadro surrealista. Um vira-se para o outro e diz “pensei que fosse mais gordo”. Ao que o segundo responde, “Não, é Magritte”. 

Mas não percamos mais tempo. Quando um futebolista se casa, é habitual lermos na imprensa títulos como “Joaquim junta-se ao clube dos casados”, ou um lacónico “Betinho tem novo clube”. Mais tarde, descobrimos que o novo clube se chama afinal Futebol Clube da Fernanda ou Elisabete United, e não joga na Champions. 

Em muitos aspectos uma transferência é exactamente como um casamento. A forma como os jornais desportivos anunciam as transferências de jogadores podia muito bem ser aplicada a relacionamentos amorosos: “Arnaldo faz proposta por Armanda”, “Luisinho vai avançar por Carlota”, “Roberta já não escapa”, “Rute quer dar o salto, mas Ricardo Jorge dificulta saída”. 

O período de transferências coincide com a altura em que se celebram mais casamentos, o Verão. E para ambos existe um período de lua-de-mel. A lua-de-mel acaba quando o recém-casado descobre que casou com alguém cujo hálito matinal é comparável à atmosfera de um planeta inabitável, e que a única coisa que tem de fofinho são pilosidades em sítios inesperados. Normalmente quando isto acontece é já demasiado tarde para voltar atrás no empréstimo para compra de um T2 em Massamá. Não é, pois, a despropósito que se usa a expressão “contrair matrimónio”. Tal como quem contrai uma doença, também envolve sérios riscos para a saúde e que podem deixar sequelas para toda a vida. 

No caso do futebolista, a lua-de-mel termina quando o seu novo clube descobre que a que a única coisa que o jogador tem de craque é o som que o joelho dele faz quando corre. E assim, no amor e na bola, é num ápice que se passa de bestial a bosta. 

Hoje em dia tanto casamentos como contratos de futebol são tão pouco duradouros que em vez da expressão “dar o nó”, se devia dizer “prender com velcro”. Apesar de se comprometerem até que a morte os separe, os noivos sabem muito bem que vão sair abaixo da cláusula de rescisão. Seria mais realista que os casamentos fossem mais como os contratos de futebol, e em vez de serem para toda a vida, tivessem uma duração de 5 anos (ou de 1 ano com outro de opção, se algum dos noivos já acusar alguma veterania ou tiver um historial de lesões). E se uma transferência é comparável a um casamento, o que é afinal uma união de facto, se não um empréstimo com opção de compra? 

No amor e no futebol fazem-se juras de amor eterno, com mais tendência a serem quebradas que a anca de uma velha. Ao assinarem pelo novo clube, os futebolistas dão beijinho no emblema e afirmam que “sou deste clube desde pequenino” (o que só lança dúvidas sobre a seriedade de quem inventou osistema métrico). O “sou deste clube desde pequenino” é o equivalente futebolístico ao “amo-te desde o dia em que te vi”, e têm ambos um prazo de validade semelhante à pílula do dia seguinte: vale para as próximas 72 horas.


(continua)

O idiota de aldeia, uma profissão em vias de extinção

O idiota de aldeia está em vias de extinção. O gradual desaparecimento desta figura mítica do mundo rural é uma consequência muitas vezes ignorada do êxodo para as grandes cidades. A real ameaça ao idiota de aldeia acompanha a lenta dissolução de outros alicerces do Portugal profundo, como o casamento entre primos directos, o cão chamado Piloto e as pessoas chamadas Perpétua.

Há não muito tempo, não havia aldeia que não se orgulhasse do seu respectivo idiota, cujas competências eram tão diversas como o aconselhamento a girassóis com problemas de orientação, ou a recensão e controlo demográfico de caganitas. No delicado equilíbrio social da aldeia, em que cada um dos habitantes desempenha um papel específico no funcionamento do todo, e em directa dependência uns dos outros, o idiota distinguia-se como figura ímpar da sua comunidade. 

A deslocação da população rural para o contexto urbano teve consequências drásticas para a vida do idiota de aldeia. Além da ameaça ao frágil ecossistema de que faz parte, o idiota de aldeia viu ainda nascer o seu antagonista: o idiota de cidade. 

À medida que o idiota de aldeia começou a ser mais raro que um falante de mirandês a cavalo de um unicórnio, o idiota de cidade crescia que nem pêlos nas sobrancelhas de um velho e multiplicava-se que nem informáticos nos anos 90. O idiota passou, assim, de figura única no imaginário da aldeia (era improvável encontrar-se dois idiotas na mesma aldeia, uma vez que têm um forte sentido territorial), a apenas mais um na multidão de idiotas anónimos que compõem as nossas cidades. A proliferação do idiota comum vulgarizou o papel de idiota, agora ao alcance de qualquer palerma ou imbecil, manchando o bom nome de uma ocupação outrora orgulhosa e digna, e altamente selectiva. Daqui naturalmente se conclui que o idiota de cidade, domesticado e amolecido pelo conforto urbano, mais não é que um retrocesso na grande tradição dos idiotas de aldeia. 

Apesar das evidentes afinidades, existem importantes diferenças entre o idiota e o político. Além de que qualquer um pode ser político, na política qualquer cargo não serve mais que trampolim para um cargo superior. Ser idiota de aldeia porém, não só não é compatível com aparelhos de ginástica, não obedece a uma hierarquia de poder que permita ao idiota da aldeia ascender a idiota da junta, seguido de idiota municipal, e finalmente, de primeiro idiota a idiota da república, com autoridade sobre aqueles idiotas todos. Simplesmente porque ser idiota da aldeia é já alcançar o grau máximo de prestígio na especialidade. 

Ser idiota de aldeia é uma vocação ao alcance de eleitos, abençoados com aquela chispa divina que faz deflagrar a chama descontrolada da estupidez ou até mesmo do fogo, caso acumulem as funções de idiota com as de incendiário da aldeia. Diríamos que é mais fácil para os monges budistas acharem o novo Dalai Lama que para os aldeões acharem um novo idiota que lhes encha as medidas. Urge pois zelar pela preservação desta figura incontornável da ruralidade, para que os nossos filhos possam saber o que é o idiota de aldeia, e quem sabe, possam mesmo vir a sê-lo.

Portugueses pelo Mundo: Santo António

Santo António recebe-nos na sua modesta cela de Pádua. Há muito que a típica pestilência a cadáver molhado, tão característica da Idade Média, foi substituída pelo cheiro a peixe, resultado dos sermões do santo lisboeta. A cela de Santo António é despojada. Enquanto franciscano fez um voto de pobreza, reduzindo os seus bens ao essencial: um rosário, uma Bíblia, e uma lâmina e um penico para aparar a tonsura (conta-nos que teve ainda um amigo imaginário, mas que foi obrigado a devolvê-lo assim que os outros franciscanos descobriram). 

Desde pequeno que António sonha em tornar-se santo, preferencialmente através do martírio. “Enquanto as outras crianças da minha rua queriam ser moleiros ou vítimas da peste, eu brincava aos mártires”, afirma, recordando as brincadeiras de menino em que fingia que era lapidado, que tinha a cabeça empalada num pau ou era esfolado vivo. Após a formação em Lisboa e Coimbra, parte para Marrocos à procura do martírio com que sempre sonhou: “Infelizmente o nosso país não tem condições para quem quer ser mártir, pelo que a solução foi o estrangeiro. E quando soube que andavam a martirizar franciscanos em Marrocos, não pensei duas vezes”. Parte com a mala cheia de sonhos, uma vez que os franciscanos não podem possuir bens terrenos, e a esperança de uma morte violenta. Infelizmente, e já em Marrocos, adoece gravemente: “Tinha muitas dores de cabeça e custava-me a engolir, não me sentia em condições para sair da cama, muito menos para ser decapitado ou degolado. Não fui martirizado, mas ao menos fiquei com a minha saúde, que é o mais importante”, conclui. 

De regresso à Europa, Santo António fixa-se definitivamente em Pádua, onde começa a operar milagres, e a encontrar coisas perdidas. Torna-se orador afamado e figura influente na Igreja Católica, conseguindo ainda o prestigiado cargo de babysitter do Menino Jesus. “Ando com o Menino Jesus ao colo para todo o lado. Não é nenhum martírio, mas também não faz nada bem às costas, além de que é preciso uma paciência de santo para aturar o Menino”, admite. 

É em Pádua que Santo António tem uma ideia que lhe irá trazer a canonização com que sempre sonhou: “Reparei que os sermões, as conversões e castigos eram aplicados apenas às pessoas, nada estava a ser nada feito em relação aos peixes. Encontrei um nicho por explorar”. Santo António começa então a pregar aos peixes. “Nunca mais se esqueço da primeira vez que confessei um tamboril ou ensinei uma solha a rezar uma Avé Maria”, afirma emocionado. No entanto, e apesar da grande taxa de sucesso, Santo António confirma que encontra todos os dias peixes que ainda resistem à conversão. “Esses casos – afirma – recebem o mesmo tratamento que é dado aos hereges, e são queimados na fogueira.” Sardinhas, douradas, robalos, carapaus, bacalhau, chocos, polvo às quintas-feiras, peixes-espada e salmões, entre outros, são, segundo Santo António, os peixes mais complicados para converter. “É desolador vê-los a acabar na grelha como hereges”, afirma, enquanto tenta, novamente sem sucesso, converter um pimento. 

Santo António é o exemplo derradeiro de um português que alcança o sucesso no estrangeiro. Agora que cumpriu o seu sonho de menino de se tornar um santo mundialmente reconhecido, garante que os seus planos passam por continuar a pregar aos peixes e expandir os sermões e conversões a outros animais, como o camarão-tigre, o porco preto e a raça mirandesa. “Se não se converterem, lá terão de ir para a grelha”, lamenta.

Nós, o dinheiro e a raspadinha

A relação dos portugueses com o dinheiro é em tudo semelhante a uma história de amor. Evidentemente que se trata de um amor não correspondido: o dinheiro não quer ter nada a ver com portugueses, e é, aliás, conhecida a sua predilecção por outras nacionalidades.

Uma das razões que impede que a afeição dos portugueses pelo dinheiro se desenvolva para além do amor platónico, e eventualmente seja consumada em amor carnal, é a nossa falta de paciência para engates muito demorados. O tenho-mais-que-fazer é um dos instintos mais poderosos da psique lusitana. Podemos mesmo afirmar que o português não faz, o português despacha. No dinheiro, o que o português procura verdadeiramente é passar do amor platónico ao cigarro pós-coital.

No entanto, o que nos falta em paciência, compensamos largamente em fé. Existe um sentimento de tão profunda e exclusivamente português que ocupa com a saudade e a fobia a correntes de ar o lugar cimeiro do repositório emocional lusitano: a fezada. O leitor, ávido por mais esclarecimentos,
perguntará o que é a fezada. Nós explicamos, seu lambão.

Em matérias do impossível, a fezada funciona como uma espécie de polícia de intervenção num bairro problemático: vai onde o milagre não se atreve a ir. Ter uma fezada é ser vidente em causa própria e acreditar em algo que nem mesmo Deus acredita. E no que toca a dinheiro, os portugueses lembram aquelas pessoas que têm romances online: têm a fezada que eles e o dinheiro foram feitos um para o outro e ainda vão ser muito felizes um dia. Mesmo que nunca se tenham conhecido pessoalmente.

Não admira que o português seja especialmente propenso a expedientes para enriquecer depressa. Tomemos o caso da raspadinha. A raspadinha satisfaz o nosso instinto para o tenho-mais-que-fazer, ao mesmo tempo que activa o processo neurológico-profético responsável pela produção da fezada. No fundo, é um speed dating, que dá a possibilidade que o romance unilateral entre o português e o dinheiro se torne realidade, e se não uma relação significativa, sólida e duradoura, pelo menos que dê direito a uma rapidinha. Em todo o caso, um final feliz.


(para uma performance de Ana Fonseca)