Portugueses pelo Mundo: Santo António

Santo António recebe-nos na sua modesta cela de Pádua. Há muito que a típica pestilência a cadáver molhado, tão característica da Idade Média, foi substituída pelo cheiro a peixe, resultado dos sermões do santo lisboeta. A cela de Santo António é despojada. Enquanto franciscano fez um voto de pobreza, reduzindo os seus bens ao essencial: um rosário, uma Bíblia, e uma lâmina e um penico para aparar a tonsura (conta-nos que teve ainda um amigo imaginário, mas que foi obrigado a devolvê-lo assim que os outros franciscanos descobriram). 

Desde pequeno que António sonha em tornar-se santo, preferencialmente através do martírio. “Enquanto as outras crianças da minha rua queriam ser moleiros ou vítimas da peste, eu brincava aos mártires”, afirma, recordando as brincadeiras de menino em que fingia que era lapidado, que tinha a cabeça empalada num pau ou era esfolado vivo. Após a formação em Lisboa e Coimbra, parte para Marrocos à procura do martírio com que sempre sonhou: “Infelizmente o nosso país não tem condições para quem quer ser mártir, pelo que a solução foi o estrangeiro. E quando soube que andavam a martirizar franciscanos em Marrocos, não pensei duas vezes”. Parte com a mala cheia de sonhos, uma vez que os franciscanos não podem possuir bens terrenos, e a esperança de uma morte violenta. Infelizmente, e já em Marrocos, adoece gravemente: “Tinha muitas dores de cabeça e custava-me a engolir, não me sentia em condições para sair da cama, muito menos para ser decapitado ou degolado. Não fui martirizado, mas ao menos fiquei com a minha saúde, que é o mais importante”, conclui. 

De regresso à Europa, Santo António fixa-se definitivamente em Pádua, onde começa a operar milagres, e a encontrar coisas perdidas. Torna-se orador afamado e figura influente na Igreja Católica, conseguindo ainda o prestigiado cargo de babysitter do Menino Jesus. “Ando com o Menino Jesus ao colo para todo o lado. Não é nenhum martírio, mas também não faz nada bem às costas, além de que é preciso uma paciência de santo para aturar o Menino”, admite. 

É em Pádua que Santo António tem uma ideia que lhe irá trazer a canonização com que sempre sonhou: “Reparei que os sermões, as conversões e castigos eram aplicados apenas às pessoas, nada estava a ser nada feito em relação aos peixes. Encontrei um nicho por explorar”. Santo António começa então a pregar aos peixes. “Nunca mais se esqueço da primeira vez que confessei um tamboril ou ensinei uma solha a rezar uma Avé Maria”, afirma emocionado. No entanto, e apesar da grande taxa de sucesso, Santo António confirma que encontra todos os dias peixes que ainda resistem à conversão. “Esses casos – afirma – recebem o mesmo tratamento que é dado aos hereges, e são queimados na fogueira.” Sardinhas, douradas, robalos, carapaus, bacalhau, chocos, polvo às quintas-feiras, peixes-espada e salmões, entre outros, são, segundo Santo António, os peixes mais complicados para converter. “É desolador vê-los a acabar na grelha como hereges”, afirma, enquanto tenta, novamente sem sucesso, converter um pimento. 

Santo António é o exemplo derradeiro de um português que alcança o sucesso no estrangeiro. Agora que cumpriu o seu sonho de menino de se tornar um santo mundialmente reconhecido, garante que os seus planos passam por continuar a pregar aos peixes e expandir os sermões e conversões a outros animais, como o camarão-tigre, o porco preto e a raça mirandesa. “Se não se converterem, lá terão de ir para a grelha”, lamenta.

Sem comentários: