Tudo o que alguma vez quis saber sobre calçadeiras e teve vergonha de perguntar

   Ao contrário do que é crença comum, a calçadeira é muito anterior ao sapato. A calçadeira é tão antiga quanto a obsessão do ser humano de tentar enfiar coisas onde estas não cabem [1]. A calçadeira é um instrumento cujo único propósito é forçar a incorrecta utilização de outra coisa qualquer, como fazer caber um grande felino no microondas. Nos anos 1950 houve até notícia da invenção uma calçadeira para ajudar a enfiar um par de sapatos numa caixa demasiado pequena.

   À semelhança de uma religião, utilização de uma calçadeira encerra um verdadeiro acto de fé, pois trata-se da capacidade de negação do facto empírico para se entrar na esfera da pura crença irracional [2]. Na verdade, qualquer facto observável pode ser desmentido com uma calçadeira.

   A relação da calçadeira com o sapato é tardia. Os primeiros avanços significativos desta simbiose deram-se quando o homem primitivo olhou para o auroque e decidiu que o devia calçar. Antes disso, o homem havia tentado calçar o fogo, a roda e o tigre de dentes de sabre. A maioria destes casos acabava com a subtracção do pé, ou na sua variante cómica, quando o pé era precisamente a única coisa que sobrava. Nestes casos, voltava-se a tentar enfiar o pé decepado onde este claramente não cabia.

   O aperfeiçoamento da espécie bovina durante gerações resultou no sapato moderno, incluindo o apuramento acerca do auroque que devia ir para o pé esquerdo e o auroque que devia ir para o pé direito. (O uso dos produtos lácteos é posterior, datando de quando o homem primitivo avistou bezerros a fazerem queijo).Desde então a calçadeira tem acompanhado o sapato, ainda que tenha conhecido um breve quebra com o surgimento dos cremes gordos.




[1] Uma variante moderna deste fenómeno pode ser verificada na tentativa de cruzamento de diferentes jogos de tampas com fundos de tupperwares. Conta-se ainda que um inventor de Leipzig dedicou a sua vida a tentar cruzar um elefante com uma formiga. Infelizmente a experiência nunca ficou concluída, uma vez que se lhe acabaram os elefantes.
[2] Frequentemente esta crença cega e inabalável adquire a designação “com jeitinho”.

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