Subsídio para a leitura de um pato

   Um pato é um animal que não serve para grande coisa, senão para arroz de pato. 

   É daqueles animais que parecem engraçados mas afinal não o são. Em termos técnicos, um pato é uma coisa que fica a flutuar em água. O que, se formos rigorosos, não difere muito de um nenúfar, de um derrame de crude, ou de um morto por afogamento. É o bicho menos impressionante da natureza, um bocadinho à frente do tapir e da lesma, sendo o pato, de todos, o único animal cujo predador natural é a estupidez. O pato é ainda único animal em que Zeus se recusou a transformar. Zeus era capaz de se tornar em qualquer coisa para uma boa aventura amorosa, desde cisne, a um boi, e uma vez até mesmo uma calçadeira, mas estabeleceu o seu limite no pato.

   O habitat natural do pato é o lago, o charco ou a poça. Uma vez que não têm grandes padrões, se os deixarem ficam a boiar até num alguidar. Conta-se mesmo que uma vez um pato foi avistado a boiar numa bola de cuspo seco. Os patos são aves migratórias, voando milhares de km a cada ano. E para quê? Para ficarem a boiar em lagos. Os patos são os guardadores de lagos por excelência, não se sabendo de quê ou de quem os lagos precisam de ser guardados. Será eventualmente para o dia em que planeta Terra for invadido por uma raça de alienígenas à base de crostas de pão.

   Apesar de o pato ser um animal voador, passa a maior parte do tempo em terra, mas a boiar em água[1]. Uma vez que consegue atingir a mestria de ser inapto em todos os meios, o pato é a ponta solta de qualquer defensor pelos direitos dos animais. Se acaso se fizessem touradas com patos, ninguém se oporia. É uma espécie animal tão inútil ao ecossistema que poderia ser completamente substituída por rolhas e ninguém daria pela falta deles. “Sinto tanto a falta de um pato” é a frase que nunca ninguém disse na história da Humanidade. O pato consegue ser mais inútil para o plâncton, que é uma espécie cotão do oceano. Na auto-estrada da evolução, o pato estará sempre a circular na faixa do meio a 30 km/h, sem nunca sair de terceira, e com o pisca sempre ligado.

   O pato é a prova mais evidente da não existência de Deus, pois nenhuma forma de inteligência superior poderia conceber um animal como o pato. Nesse sentido, um pato contribuiu mais para a morte de Deus do que qualquer filósofo existencialista. E se Deus existisse, com certeza que teria feito o pato com as sobras da Criação. 



 [1] O facto de não ter ainda havido notícias de patos no espaço dever-se-á à ausência de lagos no espaço. No momento em que se encontrar água em Marte, o mais certo é encontrar-se também um pato, a boiar.

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