Apologia do fumador, por um não fumador - Parte 2

Beijar um fumador é como lamber um cinzeiro”: Confesso que nunca lambi cinzeiros (chamem-me antiquado), mas algo me diz que os cinzeiros saem claramente valorizados desta comparação. E será que o fumador - a verdadeira vítima aqui - sabe que tem um companheiro que anda por aí a lamber cinzeiros nas suas costas? Se alguém lambe cinzeiros, talvez beijar um fumador não seja o pior dos seus problemas.

Nesse caso, em vez de se colocar alertas nos maços de tabaco, talvez os pudessem colocar nos cinzeiros: “E porque não tentar lamber um selo?”. Afirmar que beijar um fumador é como lamber um cinzeiro é o mesmo que dizer que fazer dar beijinhos à esquimó a um pasteleiro provoca os diabetes ou que fazer conchinha com um portageiro da Via Verde melhora o trânsito intestinal. 

Fumar mata, é verdade. Mas fala-se dos malefícios do tabaco, sem nunca se referir os seus benefícios, que são muitos. O tabagismo fomenta: 
  1. competências sociais (as pessoas juntam-se para fumar); 
  2. a solidariedade (“arranjas-me um cigarro?”); 
  3. a partilha (“queres lume?”); 
  4. competências matemáticas (“Tenho um cigarro, se te der um fico com zero cigarros”); 
  5. alfabetização económica, como na prisão, onde os cigarros têm valor monetário (“chinar aquele gajo vai-te custar 40 cigarros”); 
  6. o interesse por novas línguas (“quero um Marlboro Light”); 
  7. a linguagem gestual (o gesto universalmente reconhecido para “isqueiro, tens?”); 
  8. o gosto pelo mistério (“viste o meu isqueiro?”); 
  9. a descoberta de novos lugares (“Será que ali vendem tabaco?”); 
  10. o contacto com novas culturas (“Vou ao indiano comprar tabaco”). 
Enquanto não-fumador não concordo com a designação “fumador passivo”. É uma expressão politicamente correcta e paternalista que sugere apatia, conformismo, submissão e esconde um juízo moral duplo: a vitimização de quem não fuma e a diabolização do fumador; torna o não-fumador num coitadinho à mercê do “fumador activo”, um papão que anda por aí a violar pulmões. 

Quando muito sou cúmplice e não vítima do consumo de tabaco. Se, por exemplo, eu inalar uma bufa de alguém que gosta de as largar pela calada, aí sim, considero-me vítima, pois não me foi dado a escolher a minha participação. Mas se alguém disser “atenção que vai sair” (falamos de um individuo cuja idoneidade e tacto se manifestam no gesto de avisar o acompanhante para a eminência do peido) e o outro responder “quero estar ao teu lado quando isso acontecer”, será que se pode designar o segundo como “passivo”? Ainda que não haja propriamente uma agenciação no acto criativo de produção e emissão da bufa, há uma participação voluntária no fenómeno gasoso. Sugiro por isso algumas alternativas que, julgo, irão contribuir para a emancipação do fumador passivo: “fumador complementar”, “assistente de inalação”, ou “tabagista não praticante”. 

Para todos os efeitos eu fumo, e faço-o voluntária e conscientemente. Apenas não sou eu a comprar, acender e a fumar o cigarro; deixo que outros o façam por mim e ainda poupo bastante dinheiro. No final, talvez não passe de um “fumador forreta”.

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