O idiota de aldeia, uma profissão em vias de extinção

O idiota de aldeia está em vias de extinção. O gradual desaparecimento desta figura mítica do mundo rural é uma consequência muitas vezes ignorada do êxodo para as grandes cidades. A real ameaça ao idiota de aldeia acompanha a lenta dissolução de outros alicerces do Portugal profundo, como o casamento entre primos directos, o cão chamado Piloto e as pessoas chamadas Perpétua.

Há não muito tempo, não havia aldeia que não se orgulhasse do seu respectivo idiota, cujas competências eram tão diversas como o aconselhamento a girassóis com problemas de orientação, ou a recensão e controlo demográfico de caganitas. No delicado equilíbrio social da aldeia, em que cada um dos habitantes desempenha um papel específico no funcionamento do todo, e em directa dependência uns dos outros, o idiota distinguia-se como figura ímpar da sua comunidade. 

A deslocação da população rural para o contexto urbano teve consequências drásticas para a vida do idiota de aldeia. Além da ameaça ao frágil ecossistema de que faz parte, o idiota de aldeia viu ainda nascer o seu antagonista: o idiota de cidade. 

À medida que o idiota de aldeia começou a ser mais raro que um falante de mirandês a cavalo de um unicórnio, o idiota de cidade crescia que nem pêlos nas sobrancelhas de um velho e multiplicava-se que nem informáticos nos anos 90. O idiota passou, assim, de figura única no imaginário da aldeia (era improvável encontrar-se dois idiotas na mesma aldeia, uma vez que têm um forte sentido territorial), a apenas mais um na multidão de idiotas anónimos que compõem as nossas cidades. A proliferação do idiota comum vulgarizou o papel de idiota, agora ao alcance de qualquer palerma ou imbecil, manchando o bom nome de uma ocupação outrora orgulhosa e digna, e altamente selectiva. Daqui naturalmente se conclui que o idiota de cidade, domesticado e amolecido pelo conforto urbano, mais não é que um retrocesso na grande tradição dos idiotas de aldeia. 

Apesar das evidentes afinidades, existem importantes diferenças entre o idiota e o político. Além de que qualquer um pode ser político, na política qualquer cargo não serve mais que trampolim para um cargo superior. Ser idiota de aldeia porém, não só não é compatível com aparelhos de ginástica, não obedece a uma hierarquia de poder que permita ao idiota da aldeia ascender a idiota da junta, seguido de idiota municipal, e finalmente, de primeiro idiota a idiota da república, com autoridade sobre aqueles idiotas todos. Simplesmente porque ser idiota da aldeia é já alcançar o grau máximo de prestígio na especialidade. 

Ser idiota de aldeia é uma vocação ao alcance de eleitos, abençoados com aquela chispa divina que faz deflagrar a chama descontrolada da estupidez ou até mesmo do fogo, caso acumulem as funções de idiota com as de incendiário da aldeia. Diríamos que é mais fácil para os monges budistas acharem o novo Dalai Lama que para os aldeões acharem um novo idiota que lhes encha as medidas. Urge pois zelar pela preservação desta figura incontornável da ruralidade, para que os nossos filhos possam saber o que é o idiota de aldeia, e quem sabe, possam mesmo vir a sê-lo.

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